Quase 80% dos brasileiros com nível superior trabalham em cargos inferiores

Estudo do Dieese mostra que a queda no desemprego no Brasil está sendo puxada por vagas de trabalho com salários menores e sem exigência de nível superior


sexta-feira setembro 16, 2022

A redução da taxa de desemprego observada no Brasil nos últimos meses não tem se refletido em maior qualidade dos postos de trabalho que estão sendo criados no país. Além da informalidade ser responsável por mais de 40% da massa de ocupados atualmente, levantamento divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) identificou que quase 80% dos profissionais com formação de nível superior têm se submetido cada vez mais aos cargos que não exigem a qualificação anteriormente obtida.

Na pesquisa, que engloba dados do primeiro semestre deste ano com base em informações do IBGE, o Dieese aponta que houve aumento de 749 mil no índice de trabalhadores graduados no mercado. Contudo, 78,6% desse total, que corresponde a 589 mil pessoas, recorreram às vagas atípicas – em que há remuneração menor e sem exigência de formação superior. Entre os cargos que estão sendo ocupados por profissionais com esse perfil estão balconistas e vendedores de lojas.

Somadas, as duas profissões tiveram crescimento de 23,8% no número de cidadãos graduados em atuação. Em um panorama geral, considerando todos os níveis de escolaridade, houve um crescimento de 9,9% neste ano no número de cidadãos ocupados, se comparado aos dados do segundo trimestre de 2021. No entanto, cargos de diretores e gestores e profissionais de ciências e intelectuais, que demandam o diploma de graduação, tiveram os menores crescimentos, assinalando 3% e 3,4% respectivamente.

Por outro lado, os setores que observaram maior expansão foram o de trabalhadores de serviços, vendedores de comércios e mercados, com 19%, seguido por operadores de instalações e máquinas e montadores, segmento que apurou uma alta de 15,8%. Também há destaques para trabalhadores de apoio administrativo, operários da construção civil e ocupações elementares.

O economista do Dieese Gustavo Monteiro afirma que os dados refletem uma recuperação do mercado de trabalho, já que a taxa de desemprego deixou o patamar de 11% para os atuais 9,1%. “Mas não é uma retomada com aumento dos melhores empregos. Não é exatamente um crescimento como se tinha antes. Estamos recuperando o que perdemos, mas ainda muito aquém do que era antes”, afirma Monteiro.

Na avaliação do especialista, o cenário observado no Brasil evidencia um desperdício de oportunidades e de mão de obra. “Quanto mais tempo um trabalhador permanece desempregado, não trabalhando no que se formou, ele vai perdendo competências e o próprio mercado vai ficando mais difícil”, acrescenta.

A situação também coloca em xeque, segundo Monteiro, os esforços feitos outrora, no país, para democratizar o acesso da população ao ensino superior. “Aumentamos muito a quantidade de formados, mas quando essas pessoas se formaram acabaram se deparando com mercado que não conseguiu absorver a mão de obra qualificada”, assinala o economista.

Rendimento é menor para formados
Na pesquisa feita pelo Dieese também foi verificado que os trabalhadores ocupados – e que têm nível superior completo – foram os que tiveram a maior perda salarial dentre todas as categorias com uma queda de 5,6%. Já os ocupados, sem instrução e com menos de um ano de estudo, aumentaram em 3,2% o rendimento médio, mesmo cenário observado no grupo de pessoas que têm ensino fundamental completo ou equivalente.

A situação reflete uma movimentação nacional apurada pelo IBGE que identificou, em agosto, uma queda de 3,7% no rendimento real médio dos trabalhadores no 2º trimestre deste ano, em comparação ao ano passado. O valor caiu de R$ 2.794 em 2021 para os atuais R$ 2.693. Para Gustavo Monteiro, do Dieese, o maior número de pessoas ocupadas, mesmo que com salários mais baixos, está ligado à concessão de auxílios pelo governo federal e liberação de saques do FGTS.

Os benefícios, para ele, foram importantes devido ao momento de dificuldade econômica no país. “Mas não foram exatamente investimentos para se aumentar a produção ou para conseguir desenvolver novas tecnologias. É um investimento muito focado a curto prazo. São gastos que foram necessários para o consumo, mas que são insuficientes se o país quiser ter uma retomada mais dinâmica das atividades”, opinou o economista.

Ele também cita uma falta de estabilidade econômica e para geração de novos empregos em condições melhores como fatores determinantes para traçar a realidade vivenciada. “Ainda se tem uma instabilidade muito grande quanto ao futuro que prejudica decisões de crescimento. E como as pessoas têm que trabalhar, voltar ao mercado, vão fazendo o que dá, mesmo que seja informal. E quem tem ensino superior vai aceitar um trabalho, mesmo que não tenha nada a ver com a formação”, resumiu Monteiro.

O especialista defende que o Estado dê ao empresariado um cenário estável para a realização de investimentos e a consequente geração de emprego. Outro sugestão é em aportes estatais em setores estratégicos para estimular a economia e promover uma mudança de panorama. Gustavo Monteiro, inclusive, criticou a reforma trabalhista aprovada no Brasil em 2017 sob a promessa de criar empregos em quantidade e qualidade.

 “O que a gente consegue perceber é que o que a reforma prometia, aumento de emprego e de formalizações, isso não ocorreu. E a gente também percebe que as condições de trabalho não melhoraram. Está acontecendo exatamente ao contrário. As condições pioraram por muitos motivos”, arrematou o economista do Dieese.

Emprego no Brasil
A mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do IBGE apontou uma taxa de desemprego de 9,1% no Brasil, correspondendo a cerca de 10 milhões de pessoas. Já o número de ocupados chegou a 98,7 milhões. A situação de desalento, quando o cidadão desiste de procurar emprego, afeta 4,3 milhões de brasileiros, segundo o levantamento. (Fonte: O Tempo)