Empresa pode obrigar funcionário a tomar vacina contra a Covid-19?

Demissão de auxiliar de limpeza no ABC Paulista levantou o debate nas redes sociais. Especialista explica que imunização pode ser exigida pelas organizações (Por Rodrigo Silva)


terça-feira julho 27, 2021

Apesar da imunização contra a Covid-19 estar lenta no Brasil, já faz algum tempo que parte da sociedade brasileira tem debatido sobre a obrigatoriedade de se vacinar. Enquanto algumas pessoas alegam ter liberdade de escolha em relação a isso, outras dizem que o interesse particular de alguém não deve se sobressair sobre o coletivo. Com isso, se alguém não se vacinar, essa pessoa tem mais chances de contaminar outras pelo coronavírus.

A discussão foi exatamente essa em uma ação julgada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT-SP) nesta semana. A Justiça confirmou, em segunda instância, a demissão por justa causa de uma auxiliar de limpeza que não quis se vacinar contra a Covid-19. A mulher trabalhava em um hospital de São Caetano do Sul, no ABC Paulista. Após ser demitida por justa causa, a ex-funcionária entrou com recurso na Justiça, mas perdeu a ação. Recentemente, ela recorreu pela segunda vez e novamente saiu derrotada.

Funcionária foi demitida após se recusar a tomar vacina em cidade de São Paulo. Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
Segundo o TRT, o fato da funcionária não ter se imunizado poderia colocar em risco a saúde dos colegas de trabalho e de pacientes do hospital. A decisão foi baseada também em uma orientação Ministério Público do Trabalho (MPT), que em fevereiro de 2021, destacou que trabalhadores que se recusassem a tomar a vacina contra a Covid-19 e não apresentassem razões médicas documentadas para isso poderiam ser demitidos por justa causa.

Quem não se vacinar pode ser demitido
Em entrevista à Banda B, o especialista em Direito Processual do Trabalho José Roberto Ramos de Almeida, afirmou que a empresa tem o poder de demitir o funcionário que não quiser se imunizar contra a Covid-19. No caso da funcionária demitida no ABC Paulista, uma recusa injustificada da vacina não era possível, já que a empregada trabalhava em um hospital, que é um ambiente onde o risco de contaminação pela Covid-19 pode ser maior.

O especialista ressalta que funcionários não podem ser obrigados a tomar vacina, no entanto, as empresas podem demitir empregados que não apresentarem atestado médico que justifiquem uma razão para não se imunizar contra a Covid-19. “Essa seria a única justificativa cabível”, diz o advogado.

José Roberto destaca que demitir o empregado sem justa causa (punição máxima no universo trabalhista) também é uma possibilidade, contudo, o empregador não tem apenas essa opção. O artigo 482 da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) respalda na alínea H, as condições para que um funcionário possa ser demitido por “indisciplina ou insubordinação”.

“Indisciplina é uma violação a uma ordem geral e insubordinação é uma violação a uma ordem específica”, diz

No caso da funcionária demitida no ABC paulista, seria um ato de indisciplina dela dentro de uma ordem que é para todos. Afinal, a empresa quer que todos os colaboradores da empresa se vacinem. “Deve sim prevalecer o interesse coletivo, em detrimento do particular de não se vacinar”, afirma José Roberto.

Prevalência do interesse coletivo
A demissão da funcionária do hospital no ABC Paulista resultou em amplo debate nas redes sociais. Internautas que defenderam a conduta dela apontam que a empresa agiu de maneira abusiva ao encerrar o contrato, já que a empregada agiu conforme sua liberdade individual. No entanto, José Roberto reforça que os interesses particulares de alguém não devem se sobressair ao que é coletivo.

“A pessoa que se recusa a vacinar pode contaminar pessoas. Há pouco tempo nos tínhamos um índice de contaminação média em nossa cidade onde de cada 100 pessoas se podia contaminar 110. O empregador precisa se precaver dessa possibilidade”, diz

Para fazer uma analogia, o advogado cita uma decisão recente do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3) em Minas Gerais onde uma transportadora foi condenada a indenizar a família de um motorista de caminhão que alegou que o então funcionário não morreu de Covid-19. Enquanto isso, a família provou que a contaminação do trabalhador teria ocorrido enquanto o trabahador estava em serviço.

“Nessa hipótese, a empresa precisa se precaver, assim como pode demitir por justa causa o empregado que não use Equipamento de Proteção Individual (EPI)”, ressalta

Com isso, se um funcionário sofre um acidente de trabalho em razão da falta do EPI e a empresa não se posicionou, ela pode ser responsabilizada. “A própria CLT já traz uma previsão em relação a isso”, afirma.

Demissão por justa causa
De acordo com José Roberto, a demissão por justa causa traz maior segurança jurídica para a empresa. No entanto, não há obrigatoriedade para que o encerramento do contrato seja por justa causa. Se um funcionário age com indisciplina, deve haver uma advertência para ele. A ideia é promover um efeito pedagógico para que o empregado possa rever sua posição afim de evitar medidas mais extremas por parte da empresa.

Além disso, antes de demitir por justa causa, a empresa também deve provar que advertiu e tentou educar seu funcionário. Segundo o advogado, essa é a precaução que o empregador deve ter para evitar que a demissão por justa causa seja revertida em eventual processo trabalhista.

“A empresa deve dizer: olha você deve se imunizar e a sua não imunização pode sim representar uma demissão por justa causa”, afirma

Contratação de não vacinados
Em relação a contratação de pessoas que não estão imunizadas, o especialista pondera que há uma máxima na discussão. Segundo ele, as empresas não podem usar critérios discriminatórios para contratação de novos empregados. No entanto, nesta situação, a prova de que o candidato se vacinou não é discriminatória, mas sim de segurança coletiva.

Com isso, se para aquelas pessoas que já trabalham na empresa, a vacinação é considerada obrigatória, o mesmo pode ser feito para funcionários que vão entrar na organização. “A tendência é que seja plenamente possível a exigência da certidão de vacinação”, diz o especialista.

Por fim, José Roberto destaca que a Lei 13.979, que dispõe sobre  as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus já permite a realização de algumas medidas de maneira compulsória, entre elas a vacinação.

Levando isso em conta, a tendência é que a imunização contra a Covid-19 seja condição para que alguém participe, por exemplo, de concursos públicos. “Trazendo para o ambiente privado, a empresa também poderia fazer isso sem que fosse uma prática discriminatória”, ressalta. (Fonte: BandaB)