COM XP E BTG À FRENTE, PLATAFORMAS CRESCEM E DISPUTAM DINHEIRO DE INVESTIDOR COM GRANDES BANCOS


terça-feira junho 15, 2021

Corretoras brigam por mercado que deve passar dos atuais R$ 70 bilhões para R$ 160 bilhões em 2025; fintechs e novas plataformas também estão na disputa (Por Fernanda Guimarães)

Com um impulso dos juros baixos aumentando rapidamente a base de investidores no Brasil, as plataformas de investimento – corretoras digitais que funcionam como um marketplace de fundos, ações, renda fixa e investimentos alternativos – entraram em uma corrida para garantir um lugar ao sol em um mercado que promete mais que dobrar de tamanho em poucos anos. Uma projeção do banco Morgan Stanley, considerada conservadora, é de que esse mercado poderá superar R$ 160 bilhões em receitas até 2025.

Com um mercado em franca expansão, a face atual mais visível dessa briga envolve XP e BTG Pactual, que vêm disputando escritórios de agentes autônomos – aqueles vinculados a determinada plataforma e responsáveis por indicar investimentos aos clientes. Mas há outras movimentações que mostram as mudanças nesse mercado, como o IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) da corretora Modalmais, e uma grande expectativa sobre os passos do maior banco digital do mundo, o Nubank, que comprou no ano passado a corretora Easynvest.

Hoje, o mercado de investimentos no País supera os R$ 70 bilhões anuais, segundo estimativas do setor. Mas, mesmo com o crescimento das plataformas, os grandes bancos (Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Caixa) concentram 80% dos recursos sob custódia no País. Essa concentração já foi maior: em 2019, esses bancos tinham 91% do mercado.  

Fora esse montante, há ainda cerca de R$ 1 trilhão na caderneta de poupança, dinheiro fora do mundo digital e que salta aos olhos dos entrantes nesse mercado. Segundo  o estudo do Morgan Stanley, elaborado em 2020, há cerca de 40 corretoras digitais no Brasil e um movimento célere de consolidação e de novos entrantes.

“A combinação de ferramentas de autoatendimento fáceis de usar, taxas menores, requisitos mais baixos de investimento e uma oferta mais robusta de produtos permitiu que novos participantes desenvolvessem mais ofertas mais atraentes e completas”, diz o relatório do Morgan Stanley. O crescimento desse mercado, na visão do banco americano, terá suporte nos próximos anos tanto na migração de investimentos para ativos de maior risco, tal como bolsa de valores e outros produtos, quanto no crescimento maior das plataformas em relação ao restante do mercado, garantindo que a participação salte dos cerca de 10% para até 40% do total.

A XP, que ajudou na popularização desse mercado e que neste ano completou seu aniversário de 20 anos, cresceu ao apostar nas deficiências dos serviços oferecidos pelos grandes bancos, que há até poucos anos estavam muito apegados à presença física, por meio de suas agências. A XP, que se tornou a maior corretora do País, trouxe para perto muitos ex-gerentes bancários, que se tornaram agentes autônomos e com relacionamento com os clientes dos bancos, nascendo daí um de seu principal pilar de crescimento. Passou a oferecer uma gama de produtos de diversas gestoras aos clientes, algo que era absolutamente distante dos clientes dos bancos, que tinham em mãos apenas produtos da casa oferecidos por seus gerentes. Para o Morgan Stanley, a XP deve se apropriar de 20% desse mercado em 2025.

Mudança de patamar
Anos depois de desbravar esse mercado, contudo, o patamar mudou, com os juros mais baixos levando o  Brasil a alcançar  um total de 3,7 milhões de pessoas físicas investidoras em ações – eram cerca de 600 mil no fim de 2018. Com o apelo de taxas mais baixas, isenções e um grande leque de investimentos, as plataformas foram ganhando mercado. Mas também ganharam a concorrência dos grandes bancos, que começaram a se movimentar para não perderem espaço no mercado.

O tema, segundo Bruno Diniz, sócio da Spiralem, uma consultoria de inovação para o mercado financeiro,  ganhou os holofotes com a “guerra” entre XP e o BTG Pactual em torno dos escritórios de agentes autônomos. Mas a movimentação envolve todo o setor. O já gigante Nubank, que recentemente anunciou ter alcançado a marca de 40 milhões de clientes, quer um pedaço desse mercado e especialistas apontam que, se esse for seu foco, tem todo o potencial para crescer bastante. “Eles podem trazer um toque diferente a esse mercado. Eles têm toda condição de fazer isso, visto que possuem uma base fiel de clientes”, diz.

“XP e BTG estão focados na alta renda e há espaço para abordagens diferentes”, afirma Diniz. Essa abordagem, frisa, poderá  trazer novos investidores, como fez nos Estados Unidos a corretora Robinhood, aplicativo com uma proposta de tornar as transações mais fáceis e mais próxima de games, e que trouxe investidores mais jovens ao mercado.

Fora isso, o Nu, como o banco digital é chamado, tem cada vez mais musculatura e dinheiro para ser agressivo em suas empreitadas. Acabou de anunciar, por exemplo, que o fundo Berkshire Hathaway, do megainvestidor Warren Buffett, comprou uma fatia da empresa por US$ 500 milhões, aporte que deu ao banco  um valor de mercado de US$ 30 bilhões – superando a XP, que é listada na Nasdaq, e encostando no BTG.

“O Nubank quer descomplicar serviços financeiros para devolver às pessoas o controle de suas finanças. Já liberamos mais de 40 milhões de clientes das complexidades financeiras e agora queremos fazer isso no setor de investimentos”, diz o líder da área de Investimentos do Nubank e CEO da Easynvest By Nubank, Fernando Miranda. Além dos clientes que já estão no banco digital, o foco, segundo o executivo, é exatamente os recursos hoje depositados na poupança.

Novos players no mercado
Pelas beiradas, contudo, outro banco digital, o Inter, está mordendo um pedaço desse mercado e já mirou seu foco nos investidores fora do segmento “private”, conta Felipe Bottino, que assumiu o comando da Inter Invest no começo deste ano. Um dos objetivos, mas ainda sem prazo definido, é elevar os atuais 1,5 milhão de clientes, hoje todos correntistas do banco, para 10 milhões de investidores na plataforma. “Esse é nosso foco absoluto”, comenta Bottino, afirmando que uma das estratégias para chegar a esse público é ampliar as facilidades do aplicativo.

Não é à toa que os bancos digitais estão atentos à indústria de investimento. Para manter o cliente e conseguir atrair mais dinheiro que pode estar parado na poupança, o trabalho tem sido feito em ampliar o leque de produtos, indo na direção de investimentos e seguros, as duas apostas para a rentabilização dos bancos digitais.

“A arena do mercado de investimento aumentou muito e isso deve atrair novos players”, comenta o diretor de relacionamento e pessoas físicas da B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, Felipe Paiva.  O executivo conta que, das corretoras que hoje atuam no mercado, há aquelas que já nasceram como corretoras, mas que acabaram abrindo os braços para outros serviços aos clientes, como seguros e serviços bancários. Outras, contudo, atuavam em outra área e passaram a agregar os investimentos, algo que vem sendo feito pelos bancos digitais.  Outro movimento mais recente, segundo o executivo, está ocorrendo neste momento com os escritórios de agentes autônomos, que estão se tornando corretoras.

Segundo Paiva, todo esse movimento tem ajudado a girar mais rapidamente a engrenagem do mercado no Brasil, com o crescimento das plataformas trazendo mais investidores e, do outro lado, ajudando as empresas em busca de recursos no mercado. Um movimento que poderá dar um  salto no número de investidores, comenta o diretor da Bolsa, será com os clientes dos bancos digitais ingressando no mundo dos investimentos. “Com isso o dinheiro represado na poupança vai para o mundo digital.”

Em meio à disputa pelos investidores, os bancos tradicionais, obviamente, não estão parados. O Credit Suisse, tradicionalmente focado nos investidores de clientes mais abastados, investiu na plataforma Modalmais, que acaba de abrir seu capital na B3. O Santander anunciou a compra do controle da Toro Investimentos, e o Bradesco repaginou a Ágora, para reforçar sua plataforma 100% focada em pessoas físicas. Já o Itaú, que está se desfazendo de sua participação na XP, também tem se mexido para reforçar sua plataforma. Se no passado os bancos tinham no menu apenas produtos da casa, agora já têm uma prateleira diversificada.

A fintech Neon, que ano passado recebeu um aporte de R$ 1,6 bilhão, anunciou recentemente a compra da tradicional corretora Magliano. O próprio BTG, que tem buscado tirar escritórios de agentes autônomos da XP, já comprou duas corretoras tradicionais no último ano, a Necton e, mais recentemente, a Ativa.

No mercado, apesar de outras players estarem se movimentando, o BTG é visto como o único com mais poder de fogo para fazer uma concorrência mais forte à XP, e conseguiu fazer uma leitura de como atrair os grandes escritórios, oferecendo a compra de uma fatia minoritária e ajudar a empresa a se tornar corretora, modelo que atendia à uma demanda dos sócios desses escritórios.

Mas a XP tem reagido. Para alguns escritórios  de agentes autônomos, também tem feito a proposta de se tornar sócio e ajudar na migração do negócio para uma corretora. E afirmou que apenas 20% dos recursos sob gestão migram quando um escritório  decide se ligar ao concorrente.  

O sócio diretor executivo de Gente, Gestão e Estratégia da XP, Gabriel Leal, afirma que a trajetória da XP, que desbravou o mercado de investimentos, mostrou o valor desse mercado e é algo natural que essa maior visibilidade traga maior competição. “Nós começamos de fato esse mercado e ele ainda tem oportunidades enormes. A concentração nos grandes bancos diminuiu, mas ainda é de cerca de 80%”, comenta. Para fazer frente à competição crescente, uma das ofensivas tem sido a de agregar produtos bancários aos clientes, como conta digital e cartões. “A ideia é ter uma instituição financeira completa.” Com isso, frisa, o seu cliente poderá abandonar as antigas contas nos grandes bancos e concentrar toda sua vida financeira na XP.

BTG diz que grandes movimentos de aquisição já foram feitos
Depois de fechar dez aquisições para fortalecer sua plataforma de investimento e logo após captar mais R$ 3 bilhões em uma oferta de ações, a terceira em um ano, o BTG Pactual seguirá analisando oportunidades no mercado para crescer, mas os grandes movimentos já ocorreram, segundo o sócio da instituição financeira Marcelo Flora, responsável pela plataforma do BTG.

“Estamos olhando muita coisa, temos um pipeline muito forte, mas a gente tende, naturalmente, a ser mais seletivo”, diz.  Além  de ter atraído grandes escritórios de agentes autônomos antes plugados ao BTG, há duas semanas o banco fechou a compra da Universa, dona da casa de análise Empiricus e da gestora Vitreo.

Para o executivo, o potencial do mercado de investimento ainda está no início e há muitos recursos ainda nos grandes bancos que deverão migrar para as plataformas. “Nós conseguimos entender o tamanho da oportunidade para morder um pedaço dessa pizza”, diz, lembrando que ao longo dos últimos anos, para preparar sua infraestrutura, o banco investiu R$ 1 bilhão em tecnologia e entrou preparado para aproveitar o boom do mercado. “Acho que conseguimos entender que havia uma mudança macro, uma mudança de placas tectônicas que, por um conjunto de razões, poderia tornar nosso ambiente de negócios mais favorável”, afirma.

Novas plataformas também querem pedaço do mercado
Mesmo que a disputa mais notória entre XP e BTG tenha estado no centro das atenções, outras plataformas vão surgindo, com novas propostas, para beliscar um pedaço desse mercado em franca ebulição. Uma nova nesse mercado é a sim;paul, lançada em dezembro do ano passado. A ideia, segundo João Silveira, cofundador e presidente da empresa, foi de trazer algo diferente ao mercado, com mais transparência na remuneração por parte do cliente e uma relação mais vantajosa para os assessores de investimento. Silveira foi presidente da PAR Corretora de Seguros e da Wiz Soluções.

Nesse modelo a receita gerada para a plataforma pelo consultor é transformada em pontos que, mais à frente podem ser trocados por ações da companhia em um evento de liquidez,  nas mesmas condições dos controladores. Tal evento de liquidez pode ser, por exemplo, uma abertura de capital.

Segundo Silveira, o crescimento desse mercado está ainda no começo e não seria razoável imaginar que esse mercado ficar apenas concentrado entre XP e BTG. Além do indutor claro do juro baixo para a migração de investimento para além do mundo da renda fixa, a maior tecnologia, a facilitação para a portabilidade de investimentos e agora o incentivo à maior competição que virá com o Open banking, promovido pelo Banco Central, vai aguçar ainda mais a competição do mercado. “Estamos no início de uma revolução do mercado e-financeiro”, comenta. (Fonte: Estadão)

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