Bancos já guardaram R$ 9,3 bilhões para eventual calote da Americanas

Os recursos reservados para perdas variam de 30% dos créditos, caso do Santander, a 100%, caso de Itaú e Bradesco (Por Matheus Piovesana e Altamiro Silva Junior)


segunda-feira fevereiro 13, 2023

Os bancos brasileiros já separaram R$ 9,3 bilhões para cobrir possíveis perdas com os empréstimos para a Americanas. Entre os maiores credores da companhia, os recursos reservados para perdas variam de 30% dos créditos, caso do Santander, a 100%, caso de Itaú e Bradesco. Os dois maiores bancos privados do Brasil já não veem mais chance, ao menos neste momento, de recuperar os créditos concedidos à varejista e passaram a classificar a empresa na pior linha do balanço para maus pagadores.

Pela questão do sigilo bancário e de processos judiciais, nenhum banco mencionou o nome Americanas nos balanços ou nas teleconferências de resultados. No entanto, pelos números trimestrais, foi possível ver que o Bradesco fez provisão de R$ 4,9 bilhões para os créditos da Americanas, todo o valor que a rede de varejo deve ao banco. O Itaú Unibanco separou cerca de R$ 2,8 bilhões. O Santander Brasil não revelou quanto provisionou, mas analistas calculam que o banco separou cerca de 30% do total do crédito concedido à varejista. Em outros bancos, como o BV, a provisão é de cerca de 50%, segundo apurou o Estadão/Broadcast.

As diferenças traduzem a classificação que cada banco deu à companhia. Pelas normas atualmente em vigor do Banco Central, os bancos têm os chamados “pisos de provisão”, ou seja, provisões mínimas que precisam fazer de acordo com as notas que atribuem ao cliente. Essas notas vão de ‘AA’, a classificação mais alta, para os melhores pagadores, na qual a Americanas estava em muitos bancos, a ‘H’, a mais baixa, para a qual foi reclassificada – ou ainda vai ser em alguns. Nela, é preciso provisionar 100% do crédito – foi o que o Itaú e Bradesco fizeram.

“Por enquanto, não há sinalização de como vai ser resolvido. Estamos em compasso de espera”, comentou nesta sexta-feira o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Junior. Sem citar a Americanas nominalmente, o executivo afirmou o caso foi uma “fraude”, e que é pontual, mas surpreendeu por causa dos nomes associados à empresa – os empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. “Fomos surpreendidos, não só nós, como o mercado”, disse. Ao mesmo tempo, Lazari reconheceu que o banco acabou dando crédito demais no País nos últimos tempos, enquanto deveria ter pisado no freio.

‘Fraude não era algo esperado’
“Estamos falando de uma companhia aberta, com balanço auditado, controladores relevantes. Fraude não era algo esperado”, disse o presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy, ao comentar o caso da Americanas esta semana, também sem citar o nome da varejista. “Do que apuramos, não encontramos outro caso semelhante. É um caso isolado, uma fraude. Temos que acompanhar os desdobramentos.” O executivo ressaltou que qualquer recuperação da empresa ao longo do tempo terá impacto positivo no balanço do banco, mas por ora, o jeito foi dar o crédito como perdido.

O presidente do Santander, Mario Leão, disse que o banco olha para as carteiras como um filme, e não como uma foto, para ilustrar que a situação pode mudar. Por isso, o provisionamento dos outros 70% dos créditos dependerão, segundo ele, da evolução das negociações. “É difícil prever a provisão desse caso. Vai depender da renegociação, do progresso da recuperação.”

No Daycoval, a estratégia agora foi fazer uma provisão de 50% do valor que a Americanas deve ao banco, pouco mais de R$ 500 milhões. Mas o banco não descarta o provisionamento de 100% desse total no primeiro trimestre de 2023, conta o diretor de relações com investidores, Ricardo Gelbaum. A Americanas era cliente da casa há anos e sempre foi boa pagadora, por isso era classificada no balanço do Daycoval como “AA”, mas agora corre o risco de ir para a pior classificação, a temida linha “H”, onde as torneiras do crédito se fecham.

Sem avanço
Como mostrou o Broadcast, as negociações entre bancos e o trio de acionistas de referência da Americanas estão travadas desde antes de a companhia obter a recuperação judicial. Nos últimos dias, mesmo com Sicupira tendo participado de algumas conversas informais, nada andou e não há nova proposta de capitalização da empresa, segundo fontes.

Em alguns casos, as dívidas estão em discussão na Justiça, o que nem mesmo permite dizer se ainda precisam ser liquidadas ou não.

É o caso do BV, que tinha R$ 206 milhões a receber da varejista. O banco liquidou a fatura de forma antecipada após a companhia divulgar o fato relevante em que informou o rombo contábil de R$ 20 bilhões que a levou à recuperação judicial por entender que ele disparava cláusulas de vencimento antecipado.

Segundo a defesa da instituição, a liquidação das operações ocorreu antes de a companhia obter na Justiça a tutela que impedia esse tipo de movimento pelos bancos. A Americanas questiona e, na prática, busca reverter a compensação, o que levaria o dinheiro de volta ao seu caixa, mas “recriaria” a dívida.

Tínhamos um colateral bastante estabelecido. Portanto, na nossa visão, declarar o vencimento antecipado era o correto a ser feito, e é isso que estamos discutindo na Justiça”, afirmou ao Broadcast o CEO do BV, Gabriel Ferreira. Ele também não citou a Americanas nominalmente e o banco não revelou os valores da provisão.

Provisões para Americanas (em R$ milhões)

Banco:Provisão/Exposição

Bradesco 4.900/4.900
Itaú 2.800/2.800
Santander 1.100/3.600
BB:1.300
Caixa: 501
ABC:124,5/416
Daycoval:250/509
BV:103/206
Total 9.278/14.132
Fonte: Balanços dos bancos, analistas e fontes de mercado. (Fonte: Estadão)